João Amado: “O cuidar é a base de tudo.”

Sexta-feira, Março 7, 2025 - 09:04
Fotografia de João Amado

João Amado é médico, investigador do Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (e ex-docente convidado da Faculdade de Ciências da Saúde e Enfermagem) da Universidade Católica Portuguesa. Tem 75 anos e é natural da Vila de Cucujães (Santo António da Ínsua). Viveu em Moçambique e licenciou-se em Medicina pela Universidade do Porto. Com uma vida dedicada à saúde comunitária, partilha que esta “é a base de toda a intervenção em saúde” e que os enfermeiros se definem na “proximidade”. O mais importante da vida? “Estar sempre agradecido.”

 

Quando é que decide estudar Medicina?

A Medicina surgiu já muito tarde na minha vida. Tudo surge de antes de uma experiência que tive de voluntariado em Moçambique (1973-1978), ligado à Sociedade Missionária e à Diocese de Nampula, no lar(-escola) de S. José (no “mato”), a cerca de 30 km da cidade e depois em Nacala. Estive lá 5 anos, passei lá a independência. Depois regressei a Portugal para, então, estudar Medicina com a ideia de voltar para lá. Acabou por não acontecer, porque, entretanto, casei, tivemos um filho e, também, surgiu a guerra entre a FRELIMO e a RENAMO.

 

O que guarda desses tempos em Nampula?

Há cheiros que nunca mais esqueço. Os cheiros da noite nas conversas ao luar. Conversávamos muito e é esse tempo de relação pessoal que guardo para sempre. Foi um tempo muito gratificante da minha vida.

 

Tem dedicado toda a sua vida à área da saúde comunitária. Foi da experiência em Moçambique que ficou o interesse de trabalhar junto das comunidades?

Também, claro, mas durante a licenciatura trabalhei com uma professora para a ajudar durante o seu doutoramento. Íamos nas férias trabalhar para Vila Real voluntariamente para lhe conseguirmos os dados para a tese. Foi um tempo que despertou em mim esta vontade de estar perto da comunidade. E, claro, a minha esposa foi uma grande influência para mim. Casei com uma enfermeira de saúde pública absolutamente extraordinária e isso motivou-me muito a seguir por esta área. O compromisso da minha mulher com a saúde pública foi verdadeiramente contagioso. Nos anos 70, a minha mulher fez coisas muito inovadoras a favor das populações. Esteve envolvida na campanha contra o sarampo, em campanhas de vacinação, fazia visitas a casas dos bairros pobres, das salinas, das de prostituição e acompanhou as campanhas de Gonçalves Ferreira que reduziram drasticamente a mortalidade infantil. Estas campanhas foram tão importantes que foi ainda antes do 25 de abril que, em Portugal, atingimos o ponto da civilização. Foram feitos extraordinários.

 

Porque é que a saúde comunitária é uma área tão fascinante para si?

É a base de toda a intervenção em saúde. Quando pensamos em cuidados de saúde primários estamos a pensar na saúde da comunidade. Os mínimos de saúde têm de ser assegurados a toda a gente. Porque é que podemos não ter direito a tratamentos de milhões de euros? Porque esses milhões vão retirar a hipótese de dar efetivamente os cuidados base necessários a todas as pessoas. Este trabalho junto da comunidade sempre me sensibilizou muito, de tal forma que acabei por lhe dedicar a minha vida, embora tivesse sempre mantido o meu trabalho clínico, como médico de medicina geral. A Medicina é uma profissão de relação e de proximidade e isso é muito importante para mim. Já na família onde cresci (somos seis irmãos), o contacto sempre foi muito importante e sempre foi determinante para o meu crescimento. A proximidade tem de estar em tudo o que faço.

 

“É na proximidade que o enfermeiro se define.”

 

Na sua experiência como docente da Faculdade de Ciências da Saúde e Enfermagem e investigador do Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde porque é que é relevante o papel que a Universidade Católica tem na área da saúde comunitária?

Porque os enfermeiros são aqueles que estão na linha da frente e a saúde da comunidade, mesmo quando se trata de atendimento clínico, tem um substrato fundamental que é o enfermeiro. O enfermeiro é aquele que lida com a pessoa no seu ambiente mais próximo. O enfermeiro ultrapassa a parte clínica e tenta perceber a pessoa no seu contexto socioeconómico e familiar. A Católica distingue-se na formação de enfermeiros, porque é na proximidade que o enfermeiro se define. O cuidar é a base de tudo.

 

Como é que sempre viveu a sua carreira ao longo de mais de 40 anos ao serviço da Medicina?

Com espírito de responsabilidade pelo contributo que recebi ao longo de toda a vida. O que tenho e o que pude dar ao longo da minha vida foi-me dado de alguma forma. Eu contribuí dentro do que me foi dado e se me foi dado é para dar aos outros também.

 

“Dá-me muita alegria viver.”

 

Aos 75 anos continua a trabalhar …

Sim, continuo (risos). Dentro do que me pedem e do que posso, nomeadamente em atividades de voluntariado.

 

O voluntariado é uma dimensão importante na sua vida?

É muito importante para mim. O voluntariado faz-nos perceber quão frágeis somos. O voluntariado ensina-nos a agradecer o que somos no que temos.

 

Porque é que é tão importante agradecer?

Agradeço a Deus estar vivo e agradeço toda a vida que me deu. Agradeço o tempo que vivi solteiro, casado, viúvo, agradeço o tempo que vivo agora com a minha família, com filho, nora e neto. Dá-me muita alegria viver e, por isso, devo ser agradecido. Se eu não agradeço, eu não me percebo feliz.

 


Pessoas em Destaque é uma rubrica de entrevistas da Universidade Católica Portuguesa no Porto.